Sunday, April 22, 2007

Cândido


Depois de escrever o meu último post, lembrei-me de um dos meus livros preferidos, o eterno “Cândido e o Optimismo” de Voltaire, em parte, porque aquele taxista era a verdadeira antítese de um optimista. Lembro-me da primeira vez que me falaram do livro – na altura senti alguma desconfiança. Voltaire?! O nome do autor pode sugeria-me um livro maçudo, pretensioso e entediante, mas não podia estar mais longe da verdade. Deparei-me com um livro pequeno, frequentemente hilariante, que se lê num ápice. O livro centra-se na trágica história de Cândido, um rapaz inocente, optimista e com a crença inabalável de que “tudo corre pelo melhor, no melhor dos mundos”, que lhe foi incutida desde a mais tenra infância pelo seu fiel filósofo e professor, o “genial” Pangloss, que ganhava a vida impingindo esta doutrina às mentes mais sugestionáveis. No decorrer da narrativa, quer o destino (o melhor, dado que vivemos num mundo perfeito, em que tudo acontece como deve ser), o pobre Cândido é expulso do palácio onde morava, açoitado várias vezes por todo o exército búlgaro, emolado pelo fogo em Lisboa após o terramoto, torturado, mal-tratado e tudo o mais que se possa imaginar. Destino igualmente trágico sofrem a sua amada Cunegundes e o inabalável Pangloss, que (quase) até ao fim continua a defender que “tudo corre pelo melhor, no melhor dos mundos”. Pelo meio, traça-se um retrato impiedoso da sociedade corrupta da época, num tom tão irónico quanto caricato.
O livro recomenda-se porque continua tão actual hoje, quase 250 anos depois de ter sido escrito, como na altura em que foi publicado. Apesar do tom corrosivo, é difícil não empatizarmos com Cândido, o irredutível optimista a quem tudo parece acontecer, o que torna o livro numa pequena homenagem aos eternos optimistas e sonhadores...

Frase da Semana # 2

a
"Olho por olho, e o mundo acabará cego."

Gandhi

“Tem sangue azul, mas é bastardo!”

Vivemos estranhos tempos. Ainda no rescaldo da eleição de Salazar como o melhor (e também o pior) português de sempre, da campanha do PNR contra a imigração, da quase-realização de um congresso internacional de nacionalistas (conceito estranho, à partida) e das eleições em França (com o mesmo Sarkozy que dizia que a escumalha devia voltar para a sua terra prestes a tornar-se no sucessor do Chirac), deparo-me hoje com um motorista de taxi peculiar...
Entro no taxi e tento explicar para onde vou, competindo com o som do rádio com o volume no máximo. Cantava a Marisa, e o taxista fez qualquer comentário entredentes sobre “pseudo-fadistas que não cantam nada”, “preta ainda por cima” e outras coisas que tal. Pareceu-me tão fora de contexto que pensei que tinha ouvido mal e continuei pacificamente a contemplar os transeuntes. A seguir entra em cena a Amália, e depois de ouvir adjectivos como “porca”, “javarda” e “suína” comecei a ficar mais agitada. Perguntei-lhe a que se referia, com um tom seco, na esperança de que ele caisse em si e ficasse, no mínimo, calado, mas seguiu-se uma divagação pouco lisonjeira sobre as virtudes morais de algumas senhoras, com um discurso que impestava a Estado Novo. Um misto de Salazarismo poeirento e reminiscências monárquicas, em que as palavras “sangue azul”, “nós” e “eles” me chegavam aos ouvidos com demasiada frequência. Irritada e sem paciência, ainda tentei argumentar, mas acabei por tentar desligar-me. Cheguei mesmo a ter vontade de rir... Eis se não quando entra em cena o Nuno da Câmara Pereira – pensei que o senhor ia sossegar, mas ainda ficou pior. “Deficiente” e “Tem sangue azul, mas é bastardo” foi o que ouvi. Ainda chocada perguntei-lhe o que queria dizer com isso. Daí seguiu-se um discurso sobre o sangue azul e filhos bastardos, filhos de putas e amantes. Tudo isto em tom controlado, frio e racional. Ele acreditava no que dizia, por muito obsceno que isso me pudesse parecer a mim. Pelo meio de alguns outros impropérios – a Dulce Pontes é “louca”, o Gonçalo da Câmara Pereira “inútil, deficiente mental e não sabe cantar” – dei por mim a reflectir sobre o estado do mundo. No meio deste frenesim nacionalista, a verdade é que tudo isto me parece estranho e perturbador. Não faz parte da minha realidade, mas só o facto de haver quem pense assim, traz-me um enorme desconforto e embaraço. Fico a pensar nestas pessoas e no que as tornou assim – porquê tanta raiva, tanto ódio. É medo? É insegurança? É ignorância? Nacionalismo não será, porque a raiva é tão intensa que acaba por se voltar contra tudo e contra todos. Seja o que for, assusta-me. Não quero viver num mundo assim...

Sunday, March 25, 2007

Frase da Semana

"Mesmo no mais alto trono do mundo estamos sempre sentados sobre o nosso rabo."

Montaigne

Sunday, March 18, 2007

E tudo por causa de uma garrafa partida....


Ontem foi um dia diferente. Levámos os miúdos ao Parque das Nações, depois de uma travessia do deserto, perdão, Caxias, durante 25m à torreira do sol, e de sermos quase expulsos de todos os meios de transporte da Capital (minto, não chegamos a andar de autocarro!). Depois do que pareceram horas de intensa labuta, lá chegámos ao Pavilhão do Conhecimento e o que é certo é que a visita correu muito bem. Estava tudo a delirar com as experiências e à excepção de um Parcour improvisado nas escadarias do Pavilhão, estavam todos surpreendentemente sossegados. Tendo em conta que já era tarde e que estava tudo semi-exausto, pareceu-nos que não viria grande mal ao mundo se os deixassemos brincar num “labirinto” de cimento que por lá havia. O labirinto de labiríntico só tinha o nome, as paredes pareciam à prova de vandalismo, não havia ninguém por perto...”Que mal é que poderá acontecer?”, pensámos nós, e com isto aproveitámos para baixar a guarda durante um bocado. Nem cinco minutos tinham passado, quando os miúdos vêm a correr na nossa direcção a gritar “Fujam, fujam, eles partiram o vidro!!”. “Merda!”, penso eu, enquanto me entretenho a reflectir sobre o significado da ominosa frase. Passou-me muita coisa pela cabeça, mas acabei por me fixar na certeza de que eles tinham destruído um dos vidros do Pavilhão de Portugal. A medo e fazendo contas ao dinheiro que teriamos que pagar em indemnizações, lá nos aproximámos da zona do crime, qual CSI prestes a deparar-se com um conjunto de cadáveres mutilados. Eis se não quando, nos deparamos com um grupo de meliantes hard-core acabadinhos de sair de Chelas. Eu não trabalho com os meninos do coro de Santo Amaro de Oeiras, mas bastou um olhar para o dito grupo, para perceber que, perto destes, os jovens lá da zona são um bando de Mormons em abstinência Pascoal. Analisemos o cenário: Uma dezena de jovens, um bafo a álcool inconfundível, e um deles, o Líder da Matilha (L.M.), com um olho todo negro e vários cortes na cara. Quando chegámos, estava o L.M. a dizer, “Olha p’ra eles a fugir! Mas são só putos, deix’ós ‘tar.” Temendo a resposta, lá lhes perguntámos a medo o que tinha acontecido e o L.M. explica-nos que os miúdos (de 11 anos) resolveram atirar-lhes garrafas de vidro para cima. Sim, é mesmo verdade, os putos (de 11 anos, repito!) acharam que não havia nada melhor para fazer do que atirar garrafas de vidro para cima da malta do gueto!! “Merda!” penso eu novamente, de forma cada vez mais eloquente, mas numa onda diplomática, decidimos que o melhor a fazer era chamar os miúdos e obrigá-los a pedir desculpa e ouvir a malta de Chelas, que estava a fazer beats e a improvisar. O L.M. e respectiva matilha, começam a olhar bem para o estilo dos miúdos (“gangsta rap” em potência) e começam a puxar por eles: “faz aí uns beats”, “canta aí uma beca”, e quando demos por nós estavamos todos num ameno interlúdio musical, com o pessoal de Chelas a fazer rimas sobre a história da garrafa, chamando a atenção para a necessidade de os miúdos fazerem alguma coisa da vida, desviando-se dos maus caminhos – Irónico, não?!...
a
Fica o vídeo como testemunha:
a
a
PS. Alguém me explica a rima do Pai Natal e das antenas?!

Contrastes

Apenas dias depois de voltar de Princeton, sou chamada para uma entrevista de emprego, na Lapa. Vista para o rio, chá, bolinhos e muita cortesia. Sou seleccionada e dias depois começo a trabalhar num bairro social. Aí não há chá nem bolinhos, embora haja uma vista para o mar, por entre prédios altos de habitações sociais. Não há bosques verdejantes e esquilos, nem universidades elitistas. Há histórias de vida pesadas, lutas diárias e muita vontade de superar as dificuldades. É o que se chama um regresso à realidade, uma espécie de “wake-up call” particularmente abrupta. Tenho que me moldar, mais uma vez, e conquistar o meu espaço. No entanto adoro estas mudanças, tornam-se mesmo viciantes. Não há estagnação possível, todos os dias aprendo algo novo e não me vejo a viver de outra forma. Para trás fica o conforto de Princeton e as viagens incessantes. Foi bom enquanto durou, mas está na hora de partir para uma nova aventura...

New York, New York - Os Bairros

Ainda com menos 3 centímetros de altura, depois da caminhada do dia anterior, resolvi apanhar um taxi para o Lower East Side.
a
Momento de Cultura : Factos essenciais sobre os taxis de Nova Iorque
a
1. São baratos. Por baratos entende-se mais baratos do que em Lisboa. O facto de eles pagarem metade do preço pela gasolina explica o fenómeno...
2. São loucos. Por loucos entende-se que são iguais, se não piores, que os nossos taxistas. Vale-tudo-até-arrancar-olhos: Passa-se o vermelho, salta-se para cima dos outros carros, muda-se de faixa as vezes que forem necessarias (qualquer coisa entre 10 e 100, independentemente do percurso), acelera-se à maluca sempre que possível e parte-se do princípio que os peões (sejam criancas com pernas partidas ou velhinhos em cadeiras de rodas) se vao desviar, eventualmente – sendo a palavra-chave, neste caso o “eventualmente”...
a
Havia tanto a dizer sobre os bairros de Nova Iorque, mas infelizmente não temos tempo, por isso fica aí uma síntese:
a
Lower East Side: Era, por definição, o bairro dos imigrantes. Recebeu vagas sucessivas de imigracao, a comecar pelos prussianos no seculo XIX, e ainda hoje tem uma comunidade muito diversificada, da qual a predominante é, sem dúvida, a judia. Passaram por aqui Alemães, Suecos, Judeus (de varias proveniências, incluindo aqueles que nós fizemos a gentileza de expulsar da Península Ibérica), Chineses, Italianos, Polacos, etc. Mais recentemente, tornou-se mais hip entre estudantes e artistas. Tem imensos deli’s, dos quais o mais conhecido é o Katz Deli, onde foi filmada a memorável cena do orgasmo do “When Harry Met Sally” (quem não viu o filme, que vá ver). A especialidade da casa, que todo o nova-iorquino que se preze já provou, é a Pastrami Sandwich, que é uma sandes sobre-dimensionada, com proteína animal suficiente para alimentar um exército, que supostamente ninguém acaba... Ninguém? Bom, vi com os meus próprios olhos, uma familia (mãe obesa, pai obeso, filho obeso...não sei se já detectaram um padrão?!), que não só comeu aquilo, como ainda rematou a experiência com um prato de batatas fritas e um doce. Claro que tudo isto foi devidamente acompanhado de bebidas Light e Diet Coke. Benvindos ao Estados Unidos...
a
O que é preciso saber sobre os bairros da moda? O princípio é sempre o mesmo: Pega-se numa zona degradada, envelhecida ou sub-aproveitada, faz-se uma requalificação da zona, recuperando os prédios, criando alguns espaços públicos que conferem identidade à zona, arranja-se um nome catchy, de preferencia com siglas e convence-se alguns artistas, actores e malta da sociedade a mudar-se para ali. Muito simples e extremamente eficaz. Senão, vejamos os exemplos:
a
SoHo (South of Houston street): Muitas lojas de roupa, livrarias e lojas de design. A população é heterogénea, da velhinha pobre que já lá morava antes do bairro se tornar famoso, à malta das artes e intelectuais versao fashionable.
a
Greenwich Village: Muito giro e ainda mais fashionable. Nova Iorque versão Sexo e a Cidade e um dos sítios preferidos dos paparazzi para as “celebrity sightings”...
a
Little Italy e NoLITA (North of Little Italy): Little Italy tem uns residuos de comunidade italiana, mas nada de fascinante. NoLITA foi mais uma estrategia de reconversão urbana. Nada a dizer...
a
TriBeCa (Triangle Below Canal street): Idem, mas desta feita, a especialidade são os lofts, a preços proibitivos.
a
Canal Street: Vale a pena percorrer toda a rua. Acima temos Soho e companhia. Abaixo temos TriBeCa. Andamos um bocado e vemos imensas lojas com coisas bem baratinhas onde se arranjam grandes negócios. No dia em que eu vim, estava povoada com todo o pessoal de Brooklyn (é só atravessar a ponte), que tinha vindo fazer as compras de fim-de-semana. Andamos mais um bocadinho e benvindos a Chinatown - cartazes em chines, todo o tipo de quinquilharias, peixe, roupa e tudo o que se queira comprar...
a
Moral da historia?
E uma experiencia que se recomenda – o frenesim da Midtown, os neons da Broadway, a elaboracao das montras na 5th Avenue, a identidade de bairro do Lower East Side, o estilo avant-garde da malta de Greenwich Village, o ar sofisticado das pessoas em SoHo e TriBeCa, a misturada étnica e social de Canal St. e o surrealismo de Chinatown... soa um bocado a cliché, mas Nova Iorque é mesmo assim!